Projeto de Pesquisa registrado no CNPq cujo objetivo é reunir pesquisadores latino-americanos, com metodologia interdisciplinar, por meio de pesquisas, seminários e publicações em Meio Ambiente, Cultura e Sociedade. Este projeto (2015-18) é coordenado pelo Prof. Dr. Dimas Floriani, responsável pela linha de Pesquisa em Epistemologia e Sociologia Ambiental do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Meio Ambiente e Desenvolvimento da UFPR e inserido na Rede Internacional CASLA-CEPIAL Semeando Novos Rumos / Sembrando Nuevos Senderos (Coordenação Geral de Casa Latino-Americana - CASLA). Clique para acessar o projeto.


ESTAMOS INICIANDO UMA NOVA CAMINHADA EM 2019. Registramos novo projeto de pesquisa no CNPq (2019-2021), com o título de:
CONFLITOS DO SOCIOAMBIENTALISMO DESDE AS MARGENS: as intermitências do desenvolvimento e da democracia na América Latina.
Estamos associando ao projeto o(a)s doutorando(a)s da Linha de Epistemologia Ambiental do PPGMADE (UFPR).



terça-feira, 13 de agosto de 2019

SOBRE HEGEMONISMOS, PÓS HEGEMONISMOS E CONTRA-HEGEMONISMOS - Comunicado 5


Acreditamos que o universalismo, a comunicação de nossa civilização homogeneíza as relações entre os homens. Eu penso o contrário:  que o que caracteriza nosso século - e não podemos deixar de perceber isto - é uma segregação ramificada, reforçada, que se sobrepõe em todos os graus, e não faz senão multiplicar as barreiras” (J. LACAN – citado no blog – Lacan em.pdf - https://lacanempdf.blogspot.com/ )

A revolução não é a destruição do capitalismo, mas a recusa em cria-lo” ( John Holloway – Fissurar o Capitalismo)

Preâmbulo

Para podermos pensar as dinâmicas do Capitalismo em escala global e dentro ou tangencialmente a ele a Modernidade Periférica, é necessário elencar algumas das principais discussões (aceitas ou controversas) acessíveis publicamente sobre o caráter desse novo capitalismo.

“Novo”, no sentido de que o capitalismo possui intrinsecamente uma resiliência que se alimenta de seus contrários, inclusive. Há interpretações sobre essa resiliência, em especial sobre aspectos redistributivos da riqueza produtiva, que são creditadas ou condicionadas ao tipo de contestação que tem sido feita à dinâmica de acumulação do capital. Assim, ao longo do século XX, a distribuição da riqueza social adviria das lutas sindicais e de grupos e movimentos sociais que reivindicavam ganhos redistributivos, tornando menos predatórios os mecanismos de exploração ou de concentração da riqueza para os proprietários dos meios de produção e do capital financeiro.

O Estado tem sido um instrumento dessa mediação, embora sua função não seria apenas de regular temas econômicos, mas sua atribuição é complexa, pois trata da regulação, controle e coerção, pela administração jurídico-política das instituições estatais, o que inclui a coexistência dos poderes nele instalados, com os respectivos sistemas ou regimes políticos, isto é, se se trata de um sistema democrático com representação partidária, sistema de representação mista ou outra forma de efetivação do poder (executivo monocrático, parlamentarismo, monarquia, equilíbrio dos 3 poderes, etc.).

É necessário elencar um conjunto de temas que podem indicar em que esse “novo” capitalismo se diferencia dos outros capitalismos, não apenas daqueles que classicamente foram abordados criticamente, especialmente pelas teorias do Sistema Mundo, do Desenvolvimento do Capitalismo e de suas sucessivas crises, principalmente pelas teorias marxistas ou estruturalistas.

Em geral, as dinâmicas desse capitalismo em permanente metamorfose tem sido abordadas pelas características dadas pela centralidade de sua designação, a saber, as dinâmicas do Kapital (escrevo com K, pois simbolicamente nos remetemos a obra maior de Marx, o Capital). Outra das características de sua abordagem refere-se à sua temporalidade, ou seja, seu aspecto histórico. Daí que alguns epígonos dessas leituras são marcados pela historiografia, como é o caso de Hobsbawn, sem desconsiderar as teorias da revolução que marcaram as obras de caráter marxista, desde praticamente 1848, com o Manifesto Comunista, como epifenômeno das crises econômicas e políticas desse sistema.

Acrescente-se a essas leituras, as teorias do Poder em Foucault que vão além e se diferenciam das interpretações clássicas de classe e de lutas de classe, sublinhando que o poder é muito mais difuso e amplo daquele analisado pelas teorias da exploração e da dominação de classe. O poder, neste sentido, abarca os dispositivos corporais, da produção da subjetividade e discursividade, captadas pelos agenciamentos de inúmeros dispositivos (prisões, sexualidade moldada pelo sistema de moralidade instituída, loucura, arquitetura, aparelhos repressivos do Estado, práticas religiosas, etc.)

Longe de querermos abordar toda a história do capitalismo, tarefa que envolveria um projeto de vida (começada em tenra idade, evidentemente!), deve-se ressaltar a necessidade de indagar outras dimensões dessa dinâmica sistêmica, isto é, não apenas de desenho estrutural dado por interpretações da economia e da política, embora indissociáveis dos demais fenômenos que configuram esse sistema em escala mundial.

Quer dizer, fenômenos da economia (mercado, trabalho, comércio), da política (poder, governança, democracia, autoritarismo), da cultura, da ideologia, da arte, da ética, da tecnologia (mídia, automação), da natureza (crise socioambiental, “globalização da natureza e natureza globalizada” segundo Porto Gonçalves), dos modos de vida, da produção de subjetividades, das ciências, etc. podem ser vistas interconectadas, desde que mereçam um tratamento aprofundado em cada um desses aspectos articulados e articuladores do processo de constituição de emergências. 

Neste sentido, pensar a dinâmica da produção material das sociedades implica na busca de compreensão das novas modalidades de trabalho, do desemprego estrutural e tecnológico, do subemprego, da ausência de garantia de renda e daquilo que Richard Sennet vai designar como a corrosão do  caráter desse neocapitalismo, se comparado com aquilo que foi o clássico capitalismo industrial, com a formação de uma estrutura de classes definidas, visíveis e suas correspondentes formas de organização social e política (sindicatos, partidos, parlamento, políticas sociais) e um determinado modelo de sistema político de relativa estabilidade democrática pluripartidária.

Essas transformações radicais ocorrem nas sociedades pós-industriais do centro, antecipadas há algumas décadas pelas teorias de Alain Touraine (anos 1990), por Manuel Castells (2000) e depois discutidas por Streeck (“Como vai acabar o capitalismo?”), Negri,  Harvey, Sennet, Boltanski/Chiapello, Bauman e mais recentemente por Thomas Picketty. Todas elas são portadoras de uma intenção totalizadora ou de grandes mudanças, de caráter estrutural que muitas vezes dificultam perceber como essas transformações ocorrem em pequena escala, tanto no centro como na periferia desse Sistema Mundo.

Para ilustrar o que pretendemos apontar nas intenções de leitura desses fenômenos, em particular daqueles que devem ser verificados por pesquisas empíricas, constituídas por experiências de vida (e de morte), nas entranhas dessas capilaridades sistêmicas centrais e periféricas.

Aquilo que nas teorias clássicas críticas ao capitalismo, especialmente na relação capital x trabalho, indicado muitas vezes como produção de mais-valia, ou simplesmente como exploração, como fica essa relação no mundo do trabalho precarizado, fora do trabalho industrial, tais como no setor serviços (transporte, terceirização dos trabalhos chamados de estética ou cuidados do corpo, etc.).

A excessiva carga de trabalho que nos remete às 14 ou 18 horas da primeira revolução industrial na Inglaterra, de motoristas de caminhão, de taxis[1], de homens e mulheres dos cuidados de estética, como alguns exemplos, sem falar das atividades informais de ambulantes, diaristas, professores de 3 períodos, inclusive.

As novas Tecnologias Digitais e a ascensão de redes sociais teriam destruído o conceito de privacidade, pelo surgimento do Panóptico Digital? Essa invasão da intimidade tem seu correlato na formatação de outros sentidos de exposição dessa intimidade, pela formatação de novas fantasias do desejo?

A mundialização do capitalismo subverteu também a ordem de representação da doença e da saúde. Eduardo Jardim em seu livro “A Doença e o Tempo” (Ed. Bazar do Tempo), faz um apanhado histórico sobre o surgimento da Aids, destrincha sua relação com a militância LGBT e discute a maneira como a doença afeta a percepção da temporalidade, do sexo e da morte.

A desigualdade nas sociedades periféricas, com ênfase no caso brasileiro. O livro de Pedro H.G. Ferreira de Souza,  Uma História de Desigualdade, Editora Hucitec, 2019, detalha a concentração de renda no Brasil de 1926 a 2013 e investiga os efeitos de democracia e ditadura na distribuição de riquezas.



Algumas referências bibliográficas para discussão em seminário

BEASLEY-MURRAY, Jon – Poshegemonía – Teoría política y América Latina. Buenos Aires: Paidós, 2010

HOLLOWAY, John – Fissurar o Capitalismo. São Paulo: Publ!sher, 2013

HARVEY, David – Espaços de Esperança. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

Outra economia é possível: Cultura e economia em tempos de crise  -Manuel Castells – RJ: Editora Zahar, 2019


ECONOMIA DONUT – Kate Raworth, ed. Zahar, 2019 – 367 pgs.








[1] Em maio de 2019 estive participando no IEA-USP, São Paulo,  do lançamento do livro ‘Ética Socioambiental’, do qual sou autor do capítulo 4. No trajeto do aeroporto até a Universidade, tive a oportunidade de ouvir longas histórias do taxista sobre como sobrevive como terceirizado, tendo que pagar semanalmente pelo aluguel do carro. Acorda às 04 horas da manhã e trabalha direto até às 21 horas, todos os dias. Vindo da Bahia, não pratica nenhuma outra atividade salvo frequentar a igreja evangélica que lhe forneceu a linguagem figurada da bíblia para falar de si, do mundo, e dos demais. Este taxista anônimo representa, por assim dizer, a imagem da moderna exploração, no capitalismo periférico, sobre a qual se referia Marx quando analisava o aumento da jornada de trabalha, ou a mais valia absoluta.

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