1-
As intermitências
da modernidade periférica capitalista estão associadas de início ao desenvolvimentismo dependente, e mais
recentemente ao capitalismo financeiro-rentista, de matriz neoliberal globalizada: ambos modelos incapazes de
implementar políticas redistributivas e
ecologicamente sustentáveis. (Para uma discussão sobre capitalismo
financeiro-rentista, consultar Bresser Pereira (2018).
2-
Para situar o debate sobre algumas categorias
de análise, partindo da noção de modernidade
periférica, em oposição/complementaridade com a modernidade ocidental, necessitamos contextualizar alguns
referenciais históricos, políticos e teóricos a respeito da produção do
processo de periferização capitalista, com o subproduto oriundo dessa dinâmica
de subalternização e colonialidade do poder. Como reação a esse processo
emergem resistências epistêmicas com matriz nos estudos pós-coloniais,
anti-coloniais, decoloniais que deverão ser diferenciados em seus propósitos e
críticas. A abordagem dessas matrizes são feitas desde os estudos culturais, as
epistemologias do sul, o pensamento complexo, a ecologia dos saberes e a
ecologia das práticas. Assim, em um momento inicial, necessita-se
contextualizar esse debate para inscrevê-lo na construção de um campo
epistêmico. Para tanto, faz-se necessário
reunir autores, teorias e situações
histórico-culturais que incorporem o debate sobre o socioambientalismo
como expressão dessa configuração de um novo campo epistêmico (Escobar, Leff,
Porto Gonçalves, entre outros são aqui referências necessárias).
3-
Requer-se de um esforço teórico e metodológico
diferenciado na discussão sobre concepções
de desenvolvimento, democracia e sustentabilidade socioecológica para
superar os antigos paradigmas do pensamento segmentado pelo recorte da
economia, da ciência política e da sociologia; um enfoque interdisciplinar
sustentado por um diálogo intenso entre
essas disciplinas, poderá abrir-se às novas epistemes
integradoras; reunir disciplinas e áreas de conhecimento de fronteira que
abordam essas dimensões: economia, ciência e filosofia política, ecologia
política, antropologia, filosofia.
4-
O debate em torno de estratégias de desenvolvimento, ao sofrer mutações significativas
com o sopro da (re)democratização no continente latino-americano e no Caribe,
em meados dos anos 80, seguiu outro tipo de agenda, deslocando-se do domínio puramente econômico para as dimensões sociais,
políticas e ambientais, das quais
emergiram temas importantes tais como o caráter e alcance dos regimes democráticos, obstáculos e potencialidades de políticas
redistributivas que fizessem face às crônicas desigualdades sociais. Da mesma maneira, a emergência dos problemas
ambientais, especialmente a partir da Rio 92, promoveu um giro importante no
debate até então limitado e monopolizado pela economia, para espraiar-se em
direção da sustentabilidade, incorporando
o tema socioambiental no horizonte desse debate; quer dizer, até que
ponto é possível reconhecer nas estratégias de desenvolvimento que o tema
socioambiental significasse um novo giro e, neste caso, até que ponto é
possível afirmar que existem efetivamente novas estratégias ampliadas de
desenvolvimento? O que resulta das crises do próprio modelo de desenvolvimento
como aposta preferencial no crescimento econômico? Seria possível afirmar que
as crises das sociedades latino-americanas são reféns da economia e que as
demais dimensões (tecnológicas, culturais, sociais, educacionais,
ambientais...) estão subordinadas a ela?
5-
Podemos destacar dois processos interligados na
reprodução dessa periferização para o nosso debate: o capítulo relativo às CONDIÇÕES
HISTÓRICO-ESTRUTURAIS DOS ESTADOS NACIONAIS PERIFÉRICOS CONTEMPORÂNEOS, sua
relação com as dinâmicas econômicas, políticas, institucionais e culturais
vinculadas ao eixo propulsor das sociedades nacionais que é definida pelos
embates em torno do núcleo central orientado para o Desenvolvimento e AS
CONDIÇÕES POLÍTICAS DO CONTROLE E DOS CONFLITOS EM TORNO DA CONSTITUIÇÃO DE SISTEMAS
DE PODER E DOS REGIMES POLÍTICOS ORDENADOS PELO ESTADO. Porém, esses processos
produzem conflitos uma vez que ocorrem em situações de heterogeneidade
estrutural, produzida pela erosão da própria ideia de nacionalidade, eivada por
dissonâncias e diferenças étnico-culturais.
I-
MODERNIDADE
PERIFÉRICA: LIMITES DO DESENVOLVIMENTO
6-
A busca por soluções e alternativas ao desenvolvimento, em oposição à busca de alternativas de desenvolvimento,
questiona os limites do núcleo duro do sistema hegemônico de mercado, incapaz
de gerar soluções para uma imensa parcela da população destituída das condições
básicas de vida, bem como de colocar a seu alcance o acesso ao planejamento de
estratégias de bem-estar (bem viver) estáveis e duradouras. Indaga-se, para tanto, se é necessário igualmente
ressignificar o próprio sentido de desenvolvimento, por meio de novos conceitos
e outras formas de concebê-lo. Até que ponto categorias analítica de ecologia das práticas e ecologia
dos saberes possibilitam estabelecer novas bases para operar desde as
margens do sistema hegemônico.
De
Sousa Santos (2010) e Stengers(2005) apresentam respectivamente uma importante
discussão teórico-prática sobre a
ecologia dos saberes e a ecologia das práticas. Igualmente, Escobar (2012)
e Gudynas (2015) fazem uma distinção
clara sobre permanecer no quadro do desenvolvimento conforme definido pela
história marcada pelo mercado capitalista ou então desde outra perspectiva
anti-hegemônica.
Uma das perguntas-guias desta
seção é: Até que ponto são
intercambiáveis ou incomensuráveis as estruturas de pensamento eurocêntrico com
as epistemologias plurais (do sul, decoloniais, das margens, do pensamento
complexo)? (Giro Epistêmico em relação às epistemologias da modernidade
logocêntrica).
A grande pergunta que se pode fazer para a
busca por soluções, dentro dos limites históricos do desenvolvimento e de suas
contradições ou então desde às margens do sistema, é se ambas possibilidades
são antagônicas ou complementares; mais ainda, se aparecem como
antagônicas, as possibilidades de coexistência é da ordem objetiva (sistêmica)
do modelo neoliberal? Ou se a
possibilidade de outra matriz hegemônica ( por exemplo, a desenvolvimentista,
estatista, social democrática, etc.) poderia induzir algum tipo de
coexistência?
7- Pensar
em alternativas ao desenvolvimento requer,
portanto, não apenas conceber de outra forma mecanismos que permitam a uma
organização social ser capaz de reproduzir-se materialmente, mas também de engendrar
instituições em que a gestão, as normas, e os valores que regem as estratégias
de sociabilidade se desloquem do atual sistema de racionalidade
capitalista para outras racionalidades
que possibilitem sobrepor-se ou então a coexistirem com a atualmente vigente.
[Enrique
Leff ( 1998, 2004 ) em diversas obras vai desenvolver o conceito de
racionalidade ambiental em que reúne condições para se pensar diferentemente a crise capitalista e o
impasse ambiental, definidos como uma crise civilizatória].
8- Ao
mesmo tempo em que abordávamos a possibilidade de coexistência material entre
diferentes e opostos modelos de organização e regulação societal, indagamo-nos
também de sistemas de racionalidades opostas, mas coexistentes. Como o material
e o imaterial podem combinar-se? O quê os tornariam capazes de não apenas
coexistirem na diferença mas também de se reproduzirem como tais? Este o quê
supõe certamente a possibilidade de um sistema de suportes, dispositivos e
andaimes circundantes e ao mesmo tempo abordáveis pelos demais sistemas.
9-
A
pergunta complementar que segue a esse dilema é se há espaço possível para
inventar uma transição que não desemboque em sistemas monopólicos e
autoritários, tanto da economia como da política. Disto deriva a necessidade de
investigar os limites do sistema político vinculado ao Estado periférico-dependente, indagando se é possível desenvolver e
ampliar mecanismos democráticos que incorporem uma imensa população que se
encontra à margem do processo dominante de mercado e do regime político (ou
mercado político) sustentado por partidos políticos, em base à representação. Muitos
e muitas pensadores, lideranças sociais e agentes públicos se indagam dessas
possibilidades e potencialidades, vinculando-as com ideias, princípios e
práticas pedagógicas e emancipatórias. Porém em tempos de caças às bruxas, não
apenas torna-se temerário o debate público em torno dessas possibilidades, como também os
próprios espaços institucionais e de criação libertária começam a ser cerceados
por novas ondas conservadoras e opressivas.
10- O
capítulo da democracia tem sido apontado e remetido ao domínio das
intermitências na América Latina, juntamente com o do desenvolvimento. Contudo,
além das intermitências, deve-se adicionar outros componentes, nesse mesmo
domínio, quais sejam da fragilidade e vulnerabilidade democráticas,
diante das ameaças e efetivação do retorno a regimes autoritários híbridos[1], geminados com os
mecanismos de políticas econômicas neoliberais[2], adotadas por governos
conservadores (populismo conservador e autoritário de direita), logo após a
crise e declínio dos sistemas políticos (populismo progressista e
redistributivista) nestas duas décadas iniciais do século XXI.
Mais
do que analisar a crise latino-americana recente dos sistemas
político-democráticos baseados na representação partidária, nosso objetivo é de
identificar, nestas últimas duas décadas, junto com a ascensão e refluxos de
movimentos e organizações sociais populares, especialmente aquelas associadas
com práticas socioambientais e a modelos alternativos ao desenvolvimento; que
implicações representa essa ação pendular e intermitente dos mecanismos
democráticos de raiz, para a própria sobrevivência e reprodução desses setores
sociais. Adicionalmente, a pergunta refere-se igualmente a possíveis mecanismos
de resiliência (adaptação/hibridação) em termos de sua organização territorial
(socio-político-ambiental).
[1] É
bom que se diga que o caráter híbrido de um sistema (econômico, político,
tecnológico, cultural, ambiental, etc.) não é portador por antecipação de
virtudes; um sistema híbrido pode combinar elementos de diferentes matrizes
políticas, ecológicas, culturais, econômicas, tecnológicas, etc.
[2] Além da abordagem de Bresser Pereira
(2018) sobre o retorno do capitalismo neoliberal financeiro, temos o termo de
“refeudalização” (KALTMEIER, 2019) ou de “neoextrativismo” (SVAMPA, 2019,
RESTREPO, 2018) para designar o retorno/resiliência de algumas modalidades do
sistema capitalista periférico na América Latina.
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