1.
Assim, pensar a questão da constituição dos
sistemas de poder nessas sociedades estruturalmente heterogêneas merece
problematiza-la desde a fragilidade e as intermitências da democracia, que a
exemplo do desenvolvimento persegue o
caminho incerto do crescimento econômico, eleito como carro-chefe simbólico
(sua razão metonímica, para empregar uma expressão de Boaventura de Sousa
Santos), pelas elites do poder e da economia como solução às graves crises de
reprodução material do capitalismo periférico.
2. Em
grande medida, o debate sobre os limites, potencialidades e
obstáculos da democracia em situações de modernidade periférica
deve remeter-se aos sujeitos desde as
margens ou bordas do sistema de representação política em contextos nacionais e
de mercado na América Latina, bem como
suas articulações internacionais. Assim,
a esse respeito formula-se a seguinte pergunta: em que medida podem coexistir
ou se são (in)compatíveis múltiplos sistemas políticos, econômicos,
socioambientais, etno-inter-culturais, para a estabilidade democrática das
sociedades nacionais ou transnacionais? Metaforicamente,
pode-se associar o poder do sistema hegemônico ao que corresponde, para a
astrofísica, os buracos negros. Ambos operam por fagocitose, eliminando
qualquer possibilidade de sobrevivência autônoma.
3.
Repensar a questão democrática nas atuais
condições históricas e políticas da América Latina exige deslocar-se do modelo
teórico vigente, situado no Estado e nos imaginários desenvolvimentistas das
elites que giram ao seu entorno e que deixam de lado a rede de relações e
conflitos sociais, em grande parte invisibilizada e criminalizada, como no caso
de algumas populações tradicionais camponesas, indígenas, afrodescendentes,
povos ribeirinhos e da floresta, ou seja, sujeitos subalternos do campo, do
mar, de setores urbanos marginalizados pelos processos de gentrificação, desemprego
e de violência gerada pela exclusão social e pela incapacidade de resposta do
Estado neoliberal e de mercado.
4.
A
modernidade periférica com seu processo de modernização conduz aos limites da
injustiça ambiental, uma vez que combina elementos de herança colonial com a
crítica oriunda da reemergência de sujeitos sociais, historicamente
invisibilizados e silenciados. Esses novos-antigos sujeitos se redefinem ao
politizar seus agenciamentos frente ao modelo hegemônico de desenvolvimento
periférico e ressignificam suas estratégias em busca de alternativas ao
desenvolvimento, no lugar de reafirmar as propostas de alternativas de
desenvolvimento.
5.
A
história das experiências de construção de autonomias e de alternatividades são
tecidas em alguns países latino-americanos e as narrativas sobre o saldo de
suas ações coletivas já possuem um acervo significativo de reflexões e de
publicações. O encontro com essas diferentes construções pode assim
constituir-se em um amplo programa de pesquisa, incorporando o que já foi
produzido com o que está sendo construído, redefinido pelos pesquisadores e
pelos próprios sujeitos coletivos e suas organizações sociais, colaboradores e
apoiadores de tais novidades (ESCOBAR, 2014, LEFF,2015, CUSICANQUI,2010 y 2016,
LECHNER, 2007, QUIJANO,2010 entre outros).
6.
Já que um dos objetivos centrais de nossa
proposta de pesquisa é verificar em que medida a modernidade periférica tende a
ser um epifenômeno da modernidade ocidental devemos verificar como essa maneira
de afirmar especificidades se estabelece. Mais do que uma forma desviante do
processo típico-ideal da racionalidade ocidental, o que merece ser debatido e
analisado são os fundamentos estruturantes e híbridos que emergem da
historicidade periférica, cujos exemplos podem ser buscados, principalmente,
nos processos histórico-culturais latino-americanos, africanos e asiáticos.
Para tanto, devemos tentar comparar os mecanismos típico-ideais analisados por
Weber e retomados por Habermas (1987, p. 224), ao buscar a conexão empírica entre
os diferentes fenômenos do racionalismo ocidental, partindo de quatro
dispositivos sistêmicos:
“1)
esferas culturais de valor (ciência e técnica, arte e literatura, direito e
moral), como componentes da cultura; 2) sistemas culturais de ação, em que se
elaboram sistematicamente as tradições sob os diferentes aspectos de validez:
organização do trabalho científico (universidades e academias), organização do
cultivo de arte (com a institucionalização da produção, distribuição e recepção
da arte, e da instância mediadora que representa a crítica de arte), o sistema
jurídico (com a formação de especialistas em direito, a ciência jurídica e a
publicidade jurídica), e finalmente, a comunidade religiosa; 3) os sistemas
centrais de ação que fixam a estrutura da sociedade: a economia capitalista, o
Estado moderno e a família nuclear; 4) sistema de personalidade, as disposições
para a ação e as orientações valorativas típicas que acompanham o comportamento
metódico na vida e a sua alternativa subjetivista”. (FLORIANI, 2013: p. 108).
7.
O agenciamento dessas quatro esferas é feito
pelo mundo da vida, uma vez que os sujeitos atuam comunicativamente, segundo
Habermas, se entendem/desentendem no horizonte de um mundo da vida que está
formado de convicções de fundo, mais ou menos difusas e sem grandes problemas
de aceitação.
8.
Este modelo típico-ideal da racionalidade
ocidental, pareceria responder aparentemente a formas estáveis e
hierarquicamente ordenadas, porém só na aparência.
9.
O trabalho de investigar as particularidades
dos mecanismos de racionalidade do capitalismo periférico (modernidade
periférica) exige um esforço de localização dessa produção intelectual crítica,
como já destacado acima no item 5. Em texto citado de nossa autoria (FLORIANI,
2013, nota 40, pág. 109), lembrávamos que a questão da
articulação/disjunção/hibridação entre formas diferenciadas de ordens e
sistemas de origem civilizacional diversa é uma das variáveis a ser
problematizada.
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