Projeto de Pesquisa registrado no CNPq cujo objetivo é reunir pesquisadores latino-americanos, com metodologia interdisciplinar, por meio de pesquisas, seminários e publicações em Meio Ambiente, Cultura e Sociedade. Este projeto (2015-18) é coordenado pelo Prof. Dr. Dimas Floriani, responsável pela linha de Pesquisa em Epistemologia e Sociologia Ambiental do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Meio Ambiente e Desenvolvimento da UFPR e inserido na Rede Internacional CASLA-CEPIAL Semeando Novos Rumos / Sembrando Nuevos Senderos (Coordenação Geral de Casa Latino-Americana - CASLA). Clique para acessar o projeto.


ESTAMOS INICIANDO UMA NOVA CAMINHADA EM 2019. Registramos novo projeto de pesquisa no CNPq (2019-2021), com o título de:
CONFLITOS DO SOCIOAMBIENTALISMO DESDE AS MARGENS: as intermitências do desenvolvimento e da democracia na América Latina.
Estamos associando ao projeto o(a)s doutorando(a)s da Linha de Epistemologia Ambiental do PPGMADE (UFPR).



quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Memória No. 14 da reunião do Grupo de Pesquisa Epistemologia e Sociologia Ambiental, ( elaborada pelo Prof. José Thomaz Mendes Filho) ocorrida em 24 de setembro de 2015, nominalmente a partir das 14 horas, nas dependências da Casa Latino-Americana (CASLA). Presentes (também com base em lista de presença): Prof. Dimas Floriani, Drª Gladys de Souza Sánchez, Profª Lúcia Helena de Oliveira Cunha, Profª Maria do Rosário Knechtel, Prof. Edi, Claudia Stephan, Cristina Lima, Nadia Floriani, Abner Piccinato, Antonio Piccinato, Diógenes Parzianello, David Fadul, Emerson Handa, Guido Mejías, Josef Achelus, Manoel Lesama, Otávio Ávila, Tautê Oliveira e José Thomaz. 

1. Palestra do Prof. Dr. Fernando Codoceo. Prof. Dimas fez a apresentação do Prof. Dr. Fernando Codoceo, da Universidad de Los Lagos (Chile), licenciado em Filosofia pela Universidad de Valparaíso (Chile), e doutor em Ciências Políticas pela Universität Aachen (Alemanha). Prof. Codoceo agradeceu pela apresentação, informou que, em sua permanência no Brasil, esteve em Campo Mourão e Paranavaí, e disse que sua manifestação não se tratava de exposição acadêmica: que a ideia era compartilhar impressões, mostrar o que faz, como faz e por que faz. Sobre o Chile, disse: que ser professor lá é diferente de sê-lo no Brasil, particularmente quanto a que, embora lá exista concurso público nacional, este não garante estabilidade, visto que os docentes estão sujeitos a uma apreciação laboral anual cujo resultado pode suspender sua atividade; que é um dos países mais neoliberais do mundo; identificou no regime militar chileno uma clara e precisa ideologia, de orientação neoliberal; que o Chile atual caracteriza-se por privatização, educação pública mas não gratuita, mantida, em boa parte, com financiamento privado; que os professores universitários se aposentam com aproximadamente um quarto do valor de seu salário na ativa; e que há dificuldade que decorrente de o professor ter que demonstrar que seu trabalho é importante para permanecer empregado. Disse que trabalha com encarcerados e com pessoas em situação de extrema pobreza; que não é possível pensar nos problemas de desigualdade social sem levar em conta o neoliberalismo; que a 0,1% da população chilena cabe 47% da riqueza do país; que, na atualidade, 98% dos encarcerados chilenos estão entre os 10% mais pobres; que 80% dos presos chilenos tiveram pais na prisão; que há setores perseguidos, marginalizados, socialmente desprotegidos; e que há pobreza e uma reprodução da estrutura de poder. Indagou: como se constroem politicamente os sujeitos socialmente excluídos? 

Como o discurso neoliberal constrói um imaginário sobre como são os pobres? Disse que muitos acadêmicos constroem politicas e imaginários dos pobres; que políticas públicas são por ele percebidas como instrumentos de dominação dos pobres; que identifica uma internalização do discurso neoliberal nos pobres, e que o neoliberalismo gera processos de fabricação de subjetividade. Disse que o neoliberalismo gera competição, processos de individuação, inclusive atacando setores como educação e saúde; que o neoliberalismo gera processos de individualização, formas de comportamento; que as pessoas se relacionam, no neoliberalismo, em situação pré-consciente, e fez referência ao intelectual francês Felix Guattari, acrescentando que, ao se relacionar com os pobres, se respira uma outra forma de percebê-los, embora não se possa essencializá-los, de antemão, como bons ou ruins. Disse que críticos de esquerda podem adotar práticas neoliberais; que atuar neoliberalmente é prática voluntária; que a Academia funciona neoliberalmente, competitivamente, com técnicas de dominação. Citou o filósofo francês Michel Foucault e considerou as formas de dominação psíquica, pela promessa de prazer, pelo corpo e pelas emoções; que, em um contexto assim, críticos são vistos como pessimistas, negativos, de modo que o neoliberalismo exige otimismo. Citou o filósofo alemão Ernst Bloch, relacionando-o ao “princípio esperança”, por meio do qual se apresenta a ideia de que o mundo pode ser melhor e como uma maneira de superar os limites da descrença e da indiferença. Disse que o neoliberalismo usa o corpo (ser bonito) e controle através da emoção, com dependência através de consumo; que nessa perspectiva, se controla através do medo de perder o emprego, de endividamento, e considerou que por meio do endividamento se controla o comportamento humano. Disse ser pesquisador “anti-positivista”, e considerou que o espírito positivista traz a ideia de que a única pesquisa válida é a empírica, a quantificada. Disse crer que a crença é prática social, que gera processos de subjetivação, e que se o cientista que não sente algo está perdido. Disse ainda da importância de identificar por quê e sob que condições as pessoas passam a pensar e a dizer o que pensam e o que dizem. Considerou que o cientista social que não está envolvido com a realidade social e que só conta pobres (quando faz pesquisa sobre a pobreza),  não é um cientista social. Disse que, em lugar dos discursos, deve-se tentar identificar como o imaginário produz o processo discursivo.

Disse que a universidade não é espaço neutro; que, nela, há que se adotar uma identidade crítica. Disse que, no Chile, se instalou uma ética da concorrência nas universidades; que estas, lá, são convertidas em grandes centros de empreendimento produtivista. Mencionou o filósofo alemão Friedrich Nietszche, ao considerar que a universidade e a Academia devem ensinar a olhar, a pensar e a querer. Prof. Dimas perguntou sobre quais seriam os elementos de uma matriz de pensamento capaz de localizar o pensamento crítico desde as margens, dizendo que algumas categorias dominantes são assimiladas pelos pobres “sofisticados” que se identificam com os valores de êxito, da riqueza, do preconceito contra os próprios pobres, internalizando assim o discurso do colonizador. Prof. Codoceo informou haver feito tradução de práticas na universidade. Considerou que os campi, fazem lembrar uma ideia, que remeteu a uma filosofia de transição francesa, segundo a qual as pessoas se sujeitam voluntariamente (Discurso da Servidão Voluntária, do filósofo francês Etienne de la Boétie); que o problema da submissão é perverso; e que é importante divulgar essas formas de submissão aos alunos para que pensem diferentemente de nós. Disse haver uma forma de reificação do objeto de estudo pelo observador; e considerou que o cientista que não quer ser positivista tem que se reinventar. Prof. Edi informou trabalhar com migração; que a base cria condição para migração; que existe uma crise de identidade dentro da fronteira, do espaço laboral; e que trabalha com pessoas que trabalham dentro do espaço da marginalidade.

 Prof. Codoceo fez menção ao discurso proativo, e considerou o problema da extensão, de que a lógica neoliberal se estende desde os próprios subordinados. Prof. Dimas considerou haver, nesse sentido, uma autopoiese, que reproduz o sistema de exclusão como tal. Prof. Codoceo considerou que um processo de “contra-subjetividade” neoliberal não é coletivo, mas “supra-coletivo”, e citou, como exemplo, a memória coletiva, que, segundo disse, não tem a ver com a prática coletiva, e sim com o processo histórico; processo de individuação e também de “ultra-individuação”. No contexto dos processos de subjetivação, considerou: 1, o que é a natureza para mim (a relação com a natureza); 2, uma compreensão a respeito do outro (colega ou competidor); 3, o que entendo de mim mesmo. E trouxe a pergunta, que creditou ao filósofo prussiano Immanuel Kant, “o que é o homem?”, considerando-a a partir da percepção de que o homem tem prática social. Disse acompanhar um grupo de vinte presos, e considerou que as políticas públicas são economicistas, que superar a exclusão social tem a ver com direitos de moradia, de reconhecimento, e de amor, da capacidade de desenvolver um projeto amoroso que lhe faça sentido. E considerou que, na Academia, não há só coleta de dados, mas tem que se pensar; e que há lógica produtivista no espaço universitário. 

Prof. Dimas indagou ao Prof. Codoceo sobre o que seria a reinstalação de processos para produzir a diferença, por meio da qual se estabelece o não visível e sobre que efeitos e impressões isso lhe produz. Prof. Codoceo considerou que discursos políticos são grandiloquentes, e que a realidade é mais micro. Prof. Dimas disse que Thomaz havia contemplado, na tese de doutorado, contribuição do filósofo alemão Axel Honneth relacionada à necessidade de reconhecimento, quando se considera o outro invisibilizado. Thomaz disse que Honneth considera o problema do reconhecimento em sentido mais amplo (as pessoas da sociedade, incluídas as desconhecidas), em sentido intermediário (as pessoas conhecidas, por exemplo, aquelas do ambiente de trabalho) e as pessoas mais próximas (a família, com destaque, no caso masculino, para a “bem amada”); Prof. Dimas adicionou, a esta última categoria, os amigos, com o que Thomaz concordou. Lesama citou a Teoria da Atividade, creditada ao cientista bielorrusso Lev Vygotsky, considerando não haver separação entre corpo e mente, e que não se pode ascender ao que uma pessoa pensa; e que um corpo é o que é em se manifestando. Prof. Codoceo disse que quando conversa, deixa o ator falar; depois faz perguntas. Considerou que não se pode antecipar o movimento; e que o não realizado pode ser mais importante que o realizado, a situação real que se antagoniza. Prof. Dimas considerou a questão de os outros identificarem o eu, ou de eu não poder explicar-me por não me conhecer suficientemente, e citou o teorema da incompletude creditado ao matemático austro-húngaro Kurt Gödel. Considerou ainda que as pessoas se remetem ao passado, conhecem a história e podem-se apropriar dela; mas precisam reconhecer-se nos outros. Fez menção ao Chile. 

Prof. Codoceo disse crer que Guattari e um autor coreano têm muito pessimismo, mas também um diagnóstico espetacular que provém da maquinaria de produção. Reconheceu pessimismo em Nietszche e, no que se refere à universidade, que a máquina neoliberal é suficientemente plástica, de modo que o que se faz, faz crescer o sistema; que os que fazem pesquisa estão atrelados à máquina neoliberal; e que há espaços de resistência, alternativas de compreender o mundo, percepções e valores de outra maneira. Disse que não trabalha com comunidade indígena, e que a seguinte pergunta, proveniente de indígenas, o intrigou: qual é a minha parte? (reproduzindo a própria retórica e a prática de se levar vantagem). Em lugar de visão coletiva, entre mapuches, identificou também uma microvisão, de resistência. Prof. Dimas considerou a necessidade de produzir o pensamento com os outros, e que a noção de liberdade não impede alguém de ser mais livre, mas que os espaços de liberdade são misturados por uma certa ilusão de liberdade com a ampliação possível de novos horizontes; neste sentido, cita o caso do existencialista alemão Martin Bubber em sua obra os ‘Caminhos da Utopia’, representado por um mímico peruano em apresentação na Alameda, em Santiago, em 1972. Drª Gladys relatou que, quando um pesquisador queria pesquisar mulheres indígenas, os indígenas lhe perguntaram quanto ele lhes pagaria, e estabeleceram, como condição, que antes de o pesquisador partir o estudo teria que passar por eles. Prof. Codoceo disse ser necessário espelhar relação horizontal com as pessoas, no sentido de que as pessoas tem que compreender a natureza política dos trabalhos. Drª Gladys perguntou ao Prof. Codoceo se, tendo ele que seguir a regra do jogo (na universidade), nunca o perturbaram. Prof. Codoceo disse tratar-se de uma prática nacional; que não pensa muito na precariedade; que um professor que tem medo não é um professor; que um professor tem que ter coragem, que ser valente. Citou uma carta de autoria do linguista e filósofo norte-americano Noam Chomsky que, segundo disse, contém a mensagem de nunca perder a esperança nem a valentia. Tautê  pergunta como o Prof. Codoceo vê, na esteira do pensamento neoliberal, as contra-ações ao neoliberalismo. Prof. Codoceo citou Boaventura de Sousa Santos, professor português e grande oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, no particular em que considera que a resistência discursiva comporta distintos círculos de pensamento, e citou também a  socióloga chilena Drª María Emilia Tijoux Merino como exemplo de pesquisadora que se ocupa do estudo das lógicas neoliberais e solidária aos movimentos favoráveis à educação pública e gratuita no Chile. Cristina, considerando o descompasso, o pessimismo e a periferia, perguntou ao Prof. Codoceo se há luz no final do túnel, considerando que a formação de consciência é que é relevante. Disse ver deterioração do patrimônio urbano em regiões de interesse para o capital, e perguntou-lhe como é isso no Chile. 

Prof. Codoceo disse que, ao entrevistar populações sobre o que pensam das realidades e das políticas públicas, percebeu estar internalizado nos setores marginalizados a ideia ou convicção de que uma política pública é boa se lhes provê dinheiro, se é de natureza individualizante e se lhes soluciona, imediatamente, problemas imediatos; ou seja, identificou uma concepção assistencialista de políticas públicas. Fez uma ponte ao considerar que, ao olhar criticamente as políticas públicas que, no Chile, são individualizantes, com espaços competitivos entre os pobres, fortemente assistencialistas e com forte componente individual. Considerou também que o território provoca, mas vê-se desintegração da vida comunitária; que moradores de rua e presos pensam como indivíduos e não como coletivos, cooperativamente; e que o neoliberalismo tem como vocação o indivíduo, fortalece processos de individuação e tem apoio de meios de comunicação. Profª Maria do Rosário perguntou sobre políticas públicas para a educação. Prof. Codoceo disse que não falaria sobre essa questão; mas disse que embora a educação seja considerada pública, 80% dela é paga por famílias, em universidades privadas e em colégios privados, identificando, portanto, uma forte presença do mundo privado. Profª Maria do Rosário comentou que o Chile, por muitos anos, foi visto como referência de qualidade na educação. Prof. Codoceo disse existir, no Chile, diferenças perceptíveis na qualidade de formação de crianças que, em uma mesma faixa etária, podem manejar um vocabulário de 400 ou de 4000 palavras, dependendo do processo educativo de que participe; e que pobre tem acesso à universidade por meio de crédito privado. Tendo em vista o adiantado da hora, a reunião foi encerrada, com agradecimento , por parte do Prof. Dimas, ao Prof. Codoceo. 2. Encaminhamento. Prof. Dimas informou que no dia seguinte, 25 de setembro, com início às 19 horas, haveria reunião entre o Prof. Codoceo e advogados que integram CASLA-Jur. Profª Maria do Rosário perguntou se, nessa reunião, haveria participação de pessoas vinculadas à Comissão da Verdade. Prof. Dimas informou dela haver um componente. Curitiba, 24 de setembro de 2015.