Memória No. 14 da reunião do
Grupo de Pesquisa Epistemologia e Sociologia Ambiental, ( elaborada pelo Prof. José Thomaz Mendes Filho) ocorrida em 24 de
setembro de 2015, nominalmente a partir das 14 horas, nas dependências da Casa
Latino-Americana (CASLA). Presentes (também com base em lista de
presença): Prof. Dimas Floriani, Drª Gladys de Souza Sánchez, Profª Lúcia
Helena de Oliveira Cunha, Profª Maria do Rosário Knechtel, Prof. Edi, Claudia
Stephan, Cristina Lima, Nadia Floriani, Abner Piccinato, Antonio Piccinato,
Diógenes Parzianello, David Fadul, Emerson Handa, Guido Mejías, Josef Achelus,
Manoel Lesama, Otávio Ávila, Tautê Oliveira e José Thomaz.
1. Palestra do
Prof. Dr. Fernando Codoceo. Prof. Dimas fez a apresentação do Prof. Dr.
Fernando Codoceo, da Universidad de Los Lagos (Chile), licenciado em Filosofia
pela Universidad de Valparaíso (Chile), e doutor em Ciências Políticas pela
Universität Aachen (Alemanha). Prof. Codoceo agradeceu pela apresentação,
informou que, em sua permanência no Brasil, esteve em Campo Mourão e Paranavaí,
e disse que sua manifestação não se tratava de exposição acadêmica: que a ideia
era compartilhar impressões, mostrar o que faz, como faz e por que faz. Sobre o
Chile, disse: que ser professor lá é diferente de sê-lo no Brasil,
particularmente quanto a que, embora lá exista concurso público nacional, este
não garante estabilidade, visto que os docentes estão sujeitos a uma apreciação
laboral anual cujo resultado pode suspender sua atividade; que é um dos países
mais neoliberais do mundo; identificou no regime militar chileno uma clara e
precisa ideologia, de orientação neoliberal; que o Chile atual caracteriza-se
por privatização, educação pública mas não gratuita, mantida, em boa parte, com
financiamento privado; que os professores universitários se aposentam com
aproximadamente um quarto do valor de seu salário na ativa; e que há
dificuldade que decorrente de o professor ter que demonstrar que seu trabalho é
importante para permanecer empregado. Disse que trabalha com encarcerados e com
pessoas em situação de extrema pobreza; que não é possível pensar nos problemas
de desigualdade social sem levar em conta o neoliberalismo; que a 0,1% da
população chilena cabe 47% da riqueza do país; que, na atualidade, 98% dos
encarcerados chilenos estão entre os 10% mais pobres; que 80% dos presos
chilenos tiveram pais na prisão; que há setores perseguidos, marginalizados,
socialmente desprotegidos; e que há pobreza e uma reprodução da estrutura de
poder. Indagou: como se constroem
politicamente os sujeitos socialmente excluídos?
Como o discurso neoliberal
constrói um imaginário sobre como são os pobres? Disse que muitos acadêmicos
constroem politicas e imaginários dos pobres; que políticas públicas são por
ele percebidas como instrumentos de dominação dos pobres; que identifica uma
internalização do discurso neoliberal nos pobres, e que o neoliberalismo gera
processos de fabricação de subjetividade. Disse que o neoliberalismo gera
competição, processos de individuação, inclusive atacando setores como educação
e saúde; que o neoliberalismo gera processos de individualização, formas de
comportamento; que as pessoas se relacionam, no neoliberalismo, em situação
pré-consciente, e fez referência ao intelectual francês Felix Guattari,
acrescentando que, ao se relacionar com os pobres, se respira uma outra forma
de percebê-los, embora não se possa essencializá-los, de antemão, como bons ou
ruins. Disse que críticos de esquerda podem adotar práticas neoliberais; que
atuar neoliberalmente é prática voluntária; que a Academia funciona
neoliberalmente, competitivamente, com técnicas de dominação. Citou o filósofo
francês Michel Foucault e considerou as formas de dominação psíquica, pela
promessa de prazer, pelo corpo e pelas emoções; que, em um contexto assim,
críticos são vistos como pessimistas, negativos, de modo que o neoliberalismo
exige otimismo. Citou o filósofo alemão Ernst Bloch, relacionando-o ao
“princípio esperança”, por meio do qual se apresenta a ideia de que o mundo
pode ser melhor e como uma maneira de superar os limites da descrença e da
indiferença. Disse que o neoliberalismo usa o corpo (ser bonito) e controle
através da emoção, com dependência através de consumo; que nessa perspectiva,
se controla através do medo de perder o emprego, de endividamento, e considerou
que por meio do endividamento se controla o comportamento humano. Disse ser
pesquisador “anti-positivista”, e considerou que o espírito positivista traz a
ideia de que a única pesquisa válida é a empírica, a quantificada. Disse crer
que a crença é prática social, que gera processos de subjetivação, e que se o
cientista que não sente algo está perdido. Disse ainda da importância de
identificar por quê e sob que condições as pessoas passam a pensar e a dizer o
que pensam e o que dizem. Considerou que o cientista social que não está envolvido
com a realidade social e que só conta pobres (quando faz pesquisa sobre a
pobreza), não é um cientista social.
Disse que, em lugar dos discursos, deve-se tentar identificar como o imaginário
produz o processo discursivo.
Disse que a universidade não é espaço neutro; que, nela, há que se adotar uma identidade crítica. Disse que, no Chile, se instalou uma ética da concorrência nas universidades; que estas, lá, são convertidas em grandes centros de empreendimento produtivista. Mencionou o filósofo alemão Friedrich Nietszche, ao considerar que a universidade e a Academia devem ensinar a olhar, a pensar e a querer. Prof. Dimas perguntou sobre quais seriam os elementos de uma matriz de pensamento capaz de localizar o pensamento crítico desde as margens, dizendo que algumas categorias dominantes são assimiladas pelos pobres “sofisticados” que se identificam com os valores de êxito, da riqueza, do preconceito contra os próprios pobres, internalizando assim o discurso do colonizador. Prof. Codoceo informou haver feito tradução de práticas na universidade. Considerou que os campi, fazem lembrar uma ideia, que remeteu a uma filosofia de transição francesa, segundo a qual as pessoas se sujeitam voluntariamente (Discurso da Servidão Voluntária, do filósofo francês Etienne de la Boétie); que o problema da submissão é perverso; e que é importante divulgar essas formas de submissão aos alunos para que pensem diferentemente de nós. Disse haver uma forma de reificação do objeto de estudo pelo observador; e considerou que o cientista que não quer ser positivista tem que se reinventar. Prof. Edi informou trabalhar com migração; que a base cria condição para migração; que existe uma crise de identidade dentro da fronteira, do espaço laboral; e que trabalha com pessoas que trabalham dentro do espaço da marginalidade.
Disse que a universidade não é espaço neutro; que, nela, há que se adotar uma identidade crítica. Disse que, no Chile, se instalou uma ética da concorrência nas universidades; que estas, lá, são convertidas em grandes centros de empreendimento produtivista. Mencionou o filósofo alemão Friedrich Nietszche, ao considerar que a universidade e a Academia devem ensinar a olhar, a pensar e a querer. Prof. Dimas perguntou sobre quais seriam os elementos de uma matriz de pensamento capaz de localizar o pensamento crítico desde as margens, dizendo que algumas categorias dominantes são assimiladas pelos pobres “sofisticados” que se identificam com os valores de êxito, da riqueza, do preconceito contra os próprios pobres, internalizando assim o discurso do colonizador. Prof. Codoceo informou haver feito tradução de práticas na universidade. Considerou que os campi, fazem lembrar uma ideia, que remeteu a uma filosofia de transição francesa, segundo a qual as pessoas se sujeitam voluntariamente (Discurso da Servidão Voluntária, do filósofo francês Etienne de la Boétie); que o problema da submissão é perverso; e que é importante divulgar essas formas de submissão aos alunos para que pensem diferentemente de nós. Disse haver uma forma de reificação do objeto de estudo pelo observador; e considerou que o cientista que não quer ser positivista tem que se reinventar. Prof. Edi informou trabalhar com migração; que a base cria condição para migração; que existe uma crise de identidade dentro da fronteira, do espaço laboral; e que trabalha com pessoas que trabalham dentro do espaço da marginalidade.
Prof. Codoceo fez menção ao discurso
proativo, e considerou o problema da extensão, de que a lógica neoliberal se
estende desde os próprios subordinados. Prof. Dimas considerou haver, nesse
sentido, uma autopoiese, que reproduz o sistema de exclusão como tal. Prof.
Codoceo considerou que um processo de “contra-subjetividade” neoliberal não é
coletivo, mas “supra-coletivo”, e citou, como exemplo, a memória coletiva, que,
segundo disse, não tem a ver com a prática coletiva, e sim com o processo
histórico; processo de individuação e também de “ultra-individuação”. No
contexto dos processos de subjetivação, considerou: 1, o que é a natureza para
mim (a relação com a natureza); 2, uma compreensão a respeito do outro (colega
ou competidor); 3, o que entendo de mim mesmo. E trouxe a pergunta, que
creditou ao filósofo prussiano Immanuel Kant, “o que é o homem?”,
considerando-a a partir da percepção de que o homem tem prática social. Disse
acompanhar um grupo de vinte presos, e considerou que as políticas públicas são
economicistas, que superar a exclusão social tem a ver com direitos de moradia,
de reconhecimento, e de amor, da capacidade de desenvolver um projeto amoroso
que lhe faça sentido. E considerou que, na Academia, não há só coleta de dados,
mas tem que se pensar; e que há lógica produtivista no espaço universitário.
Prof. Dimas indagou ao Prof. Codoceo sobre o que seria a reinstalação de
processos para produzir a diferença, por meio da qual se estabelece o não
visível e sobre que efeitos e impressões isso lhe produz. Prof. Codoceo
considerou que discursos políticos são grandiloquentes, e que a realidade é
mais micro. Prof. Dimas disse que Thomaz havia contemplado, na tese de
doutorado, contribuição do filósofo alemão Axel Honneth relacionada à
necessidade de reconhecimento, quando se considera o outro invisibilizado.
Thomaz disse que Honneth considera o problema do reconhecimento em sentido mais
amplo (as pessoas da sociedade, incluídas as desconhecidas), em sentido intermediário
(as pessoas conhecidas, por exemplo, aquelas do ambiente de trabalho) e as
pessoas mais próximas (a família, com destaque, no caso masculino, para a “bem
amada”); Prof. Dimas adicionou, a esta última categoria, os amigos, com o que
Thomaz concordou. Lesama citou a Teoria da Atividade, creditada ao cientista
bielorrusso Lev Vygotsky, considerando não haver separação entre corpo e mente,
e que não se pode ascender ao que uma pessoa pensa; e que um corpo é o que é em
se manifestando. Prof. Codoceo disse que quando conversa, deixa o ator falar;
depois faz perguntas. Considerou que não se pode antecipar o movimento; e que o
não realizado pode ser mais importante que o realizado, a situação real que se
antagoniza. Prof. Dimas considerou a questão de os outros identificarem o eu,
ou de eu não poder explicar-me por não me conhecer suficientemente, e citou o
teorema da incompletude creditado ao matemático austro-húngaro Kurt Gödel.
Considerou ainda que as pessoas se remetem ao passado, conhecem a história e podem-se
apropriar dela; mas precisam reconhecer-se nos outros. Fez menção ao Chile.
Prof. Codoceo disse crer que Guattari e um autor coreano têm muito pessimismo,
mas também um diagnóstico espetacular que provém da maquinaria de produção.
Reconheceu pessimismo em Nietszche e, no que se refere à universidade, que a
máquina neoliberal é suficientemente plástica, de modo que o que se faz, faz
crescer o sistema; que os que fazem pesquisa estão atrelados à máquina
neoliberal; e que há espaços de resistência, alternativas de compreender o
mundo, percepções e valores de outra maneira. Disse que não trabalha com
comunidade indígena, e que a seguinte pergunta, proveniente de indígenas, o
intrigou: qual é a minha parte? (reproduzindo a própria retórica e a prática de
se levar vantagem). Em lugar de visão coletiva, entre mapuches, identificou também
uma microvisão, de resistência. Prof. Dimas considerou a necessidade de
produzir o pensamento com os outros, e que a noção de liberdade não impede
alguém de ser mais livre, mas que os espaços de liberdade são misturados por
uma certa ilusão de liberdade com a ampliação possível de novos horizontes;
neste sentido, cita o caso do existencialista alemão Martin Bubber em sua obra
os ‘Caminhos da Utopia’, representado por um mímico peruano em apresentação na
Alameda, em Santiago, em 1972. Drª Gladys relatou que, quando um pesquisador
queria pesquisar mulheres indígenas, os indígenas lhe perguntaram quanto ele
lhes pagaria, e estabeleceram, como condição, que antes de o pesquisador partir
o estudo teria que passar por eles. Prof. Codoceo disse ser necessário espelhar
relação horizontal com as pessoas, no sentido de que as pessoas tem que
compreender a natureza política dos trabalhos. Drª Gladys perguntou ao Prof.
Codoceo se, tendo ele que seguir a regra do jogo (na universidade), nunca o
perturbaram. Prof. Codoceo disse tratar-se de uma prática nacional; que não
pensa muito na precariedade; que um professor que tem medo não é um professor;
que um professor tem que ter coragem, que ser valente. Citou uma carta de
autoria do linguista e filósofo norte-americano Noam Chomsky que, segundo
disse, contém a mensagem de nunca perder a esperança nem a valentia. Tautê pergunta como o Prof. Codoceo vê, na esteira
do pensamento neoliberal, as contra-ações ao neoliberalismo. Prof. Codoceo
citou Boaventura de Sousa Santos, professor português e grande oficial da Ordem
Militar de Sant'Iago da Espada, no particular em que considera que a
resistência discursiva comporta distintos círculos de pensamento, e citou
também a socióloga chilena Drª María
Emilia Tijoux Merino como exemplo de pesquisadora que se ocupa do estudo das
lógicas neoliberais e solidária aos movimentos favoráveis à educação pública e
gratuita no Chile. Cristina, considerando o descompasso, o pessimismo e a
periferia, perguntou ao Prof. Codoceo se há luz no final do túnel, considerando
que a formação de consciência é que é relevante. Disse ver deterioração do
patrimônio urbano em regiões de interesse para o capital, e perguntou-lhe como
é isso no Chile.
Prof. Codoceo disse que, ao entrevistar populações sobre o que
pensam das realidades e das políticas públicas, percebeu estar internalizado
nos setores marginalizados a ideia ou convicção de que uma política pública é
boa se lhes provê dinheiro, se é de natureza individualizante e se lhes
soluciona, imediatamente, problemas imediatos; ou seja, identificou uma
concepção assistencialista de políticas públicas. Fez uma ponte ao considerar
que, ao olhar criticamente as políticas públicas que, no Chile, são
individualizantes, com espaços competitivos entre os pobres, fortemente
assistencialistas e com forte componente individual. Considerou também que o
território provoca, mas vê-se desintegração da vida comunitária; que moradores
de rua e presos pensam como indivíduos e não como coletivos, cooperativamente;
e que o neoliberalismo tem como vocação o indivíduo, fortalece processos de
individuação e tem apoio de meios de comunicação. Profª Maria do Rosário
perguntou sobre políticas públicas para a educação. Prof. Codoceo disse que não
falaria sobre essa questão; mas disse que embora a educação seja considerada
pública, 80% dela é paga por famílias, em universidades privadas e em colégios
privados, identificando, portanto, uma forte presença do mundo privado. Profª
Maria do Rosário comentou que o Chile, por muitos anos, foi visto como
referência de qualidade na educação. Prof. Codoceo disse existir, no Chile,
diferenças perceptíveis na qualidade de formação de crianças que, em uma mesma
faixa etária, podem manejar um vocabulário de 400 ou de 4000 palavras,
dependendo do processo educativo de que participe; e que pobre tem acesso à
universidade por meio de crédito privado. Tendo em vista o adiantado da hora, a
reunião foi encerrada, com agradecimento , por parte do Prof. Dimas, ao Prof.
Codoceo. 2. Encaminhamento. Prof. Dimas informou que no dia seguinte, 25
de setembro, com início às 19 horas, haveria reunião entre o Prof. Codoceo e
advogados que integram CASLA-Jur. Profª Maria do Rosário perguntou se, nessa
reunião, haveria participação de pessoas vinculadas à Comissão da Verdade.
Prof. Dimas informou dela haver um componente. Curitiba, 24 de setembro de
2015.